quarta-feira, 19 de outubro de 2011

UMA GAVETA CHEIA DE ESCOLHAS


Ouvi uma vez que João Cabral de Mello Neto, poeta e imortal, quando escrevia uma nova poesia a deixava guardada em uma gaveta por até seis meses. Depois de passado esse tempo reabria a gaveta, lia novamente e ela só seria publicada se após essa segunda análise, ela provasse seu valor.
Viver é fazer escolhas. Desde a hora em que abrimos os olhos pela manhã, quando tentamos dar conta do dia carregado de atos, sempre uma escolha sucede a outra. E assim vamos determinando nossas vidas. Assim é que escolhemos uma profissão, um estilo de vida, alguém para namorar ou casar. Escolhas, escolhas, escolhas...
E todas elas vão ficando guardadas, aguardando o dia em que as analisaremos. Normalmente nem pensamos nelas, ficam como as poesias acumuladas na gaveta, umas ao alcance dos olhos e das mãos, mas outras guardadas tão lá no fundo que, se algo de extraordinário não acontecesse elas jamais seriam revistas.
Mas sempre acontece algo de extraordinário... A vida sempre nos proporciona momentos em que temos que abrir a nossa gaveta de escolhas, espalhá-las pela sala e analisar uma a uma, em um processo que nem sempre é prazeroso. Alguns chamam isso de crise e, em todas as línguas conhecidas, crise tem a ver com oportunidade. Oportunidade de dispensar o que já não serve e abrir espaço para o novo. Oportunidade de rever escolhas que estão lá apenas ocupando espaço na gaveta ou ainda que estão lá nos incomodando, nos machucando, mas estão tão escondidas que nem temos condição de descobri-las.
É lógico que esse processo pode causar dor. Por vezes percebemos que aquela escolha que queremos descartar está tão grudada no fundo da gaveta que é impossível tirá-la sem arrancar um pouco da tinta, sem machucar a parede. E por isso vacilamos, deixamos de lado, escolhemos deixar aquilo lá para movermos depois, quem sabe a aguardar uma outra crise. Mas se tivermos coragem sairemos deste processo prontos para novos desafios, prontos para corrigir o curso, para mudar aquilo que precise ser mudado. Outro ganho inevitável deste processo é que saímos dele mais seguros das escolhas que ficaram, que voltaram para dentro da gaveta depois de revistas e analisadas, mas que poderão ser questionadas no futuro, quando a vida nos levar novamente a reabrir a gaveta.
E a nossa gaveta de escolhas será aberta muitas vezes durante a vida. Na adolescência, na proximidade dos trinta anos, na meia idade e diante de todos os acontecimentos que nos fizerem parar e pensar nas questões fundamentais, diante dos eventos que nos deixarem aquela sensação desconfortável de que algo está errado, de algo “não desce”. Alguns chamariam isso de angústia e estes também diriam que é ela, a angústia, o guia nesse caminho de crises e escolhas, aquela que acabará nos conduzindo ao máximo de nossa humanidade. Por que no fim das contas é sempre isso, um processo contínuo de humanização, de aprofundamento de reflexões e valores que nos farão merecer o título de adulto e, sobretudo, de humano.