E aqui estou eu novamente às voltas com os silêncios que não
calam, tentando dizer do indizível, ver o que nas mais profundas sombras se
esconde, embalado pelo tiquetaquear imaginário do velho relógio que, na
infância, figurava na parede engordurada da cozinha.
Sempre acostumado a falar de escolhas e consequências, de
olhares particulares sobre o mundo, do que vem vindo com o vento, do futuro que
se esconde em cada opção, hoje falarei de algo quase sempre esquecido. Hoje vou
cantar as desistências, elas que se ocultam na sombra de cada escolha e que,
quase sempre, são tidas como o grande inimigo.
Toda uma vasta
literatura de autoajuda estabelece quase como uma máxima, um mantra insistentemente
repetido, que nunca se deve desistir, que a sorte favorece aqueles que
perseveram até o fim. E a consequência disso é que, para o leitor desavisado,
desistir se torna uma desonra, rendição, reconhecimento da derrota sofrida pelo
desejo, na disputa interminável com a realidade.
Acabamos não percebendo que para cada escolha que fazemos
pelo menos uma desistência acaba ocorrendo. É impossível ficar com tudo,
escolher todas as alternativas, ganhar sempre. Quando escolhemos este ou aquele
curso superior, desistimos de todos os outros. Ao optarmos por tal cardápio,
desistimos de todos os outros possíveis. Vivemos escolhendo, desistindo e
esquecendo. A consciência orientada para um objetivo acaba descartando todas as
alternativas que não servem a esse objetivo e as desistências são enterradas no
fundo da memória. E ficam assim até algo balançar nossos critérios de escolha.
E algumas escolhas são duras, justamente pelas desistências
em que implicam. Para estabelecer um novo padrão de relação com o mundo, é
preciso deixar de lado o antigo padrão, deixar de lado aquilo que, mesmo tendo
a dor como custo, por um tempo nos deixou seguros. Para encontrar um novo
emprego, mais gratificante e adequado às nossas inclinações, é imprescindível
desistir do anterior e dos muitos benefícios que ele certamente traz. Por vezes
somos obrigados a desistir de amigos caros, amores profundos, verdades
absolutas que nos trouxeram até aqui e nos fizeram quem somos, mas que não
servem mais.
E é claro que isso trará dor. Não existe mudança sem dor. Na
ilusão de que é possível escapar de toda dor consumimos cada vez mais
medicamentos, cada vez mais entorpecentes, nos enrolamos nas esquinas da vida e
acabamos agarrados ao passado, como a criança que com as mãos cheias de
brinquedos, quer pegar os do colega sem largar no chão nenhum dos seus. E como
crianças, choramos, batemos o pé até que a vida nos mostre do que temos que
desistir.
E contrário ao que possa parecer, quando temos claras as
desistências que fizemos para estar onde estivemos e as que teremos que fazer
para estar onde desejamos, as escolhas ficam mais seguras e ainda que sejamos
obrigados a dar uma espiadela naquilo que atiramos nas sombras, acabaremos por
ter à nossa frente, um caminho bem mais claro e escolhas bem mais felizes.
Obviamente não se
trata de desistir de tudo, de não lutar, de sucumbir às dificuldades. É preciso
saber do que desistir, quando desistir, porque desistir, mas ainda sim entender
que escolher e desistir são faces opostas de uma mesma moeda. Desistir, assim
como escolher, também é uma arte.
Beijos na Alma.
LEONARDO GONÇALVES DA SILVA