terça-feira, 28 de outubro de 2014

REFLEXÕES SOBRE A ESCOLA, QUESTÕES DE GÊNERO E O IDEAL DE CRIANÇA


Estava eu em uma certa escola e, a certa altura, em meio à absoluta falta do que fazer, comecei a prestar atenção na decoração feita pelas professoras, percorrendo os corredores da instituição, como quem não queria nada. 

 Na parede do Hall, por onde todos passavam para entrar na escola, uma série de quadros com as princesas da Disney e outras heroínas femininas, em visível posição de destaque.  Em uma parede lateral algumas figuras masculinas, normalmente animais como o Ursinho Poo, os Três Porquinhos, o Mickey, o Pato Donald, em posição tão cômica quanto secundária.  Lá no fundo, em uma parede quase sem acesso, perto de um banheiro que parecia não ser usado com muita frequência, um varal de barbante com morcegos e monstros ensanguentados (de papel evidentemente). 
Essa disposição construída ao longo de muito tempo, não parece ter ocorrido por acaso. No contato com crianças com problemas de aprendizagem tenho encontrado famílias com pais excluídos (ou auto-excluídos), considerados incapazes e com papel coadjuvante na educação, relegados a um papel que é fabulosamente representado pela figura de Homer Simpson. Homens que quase não ocupam   a posição de professores em nenhum nível e, quando adentram este meio, encontram faces franzidas e sorrisos de descrédito, ou adotam posições visivelmente feminilizadas. Também tenho encontrado crianças desautorizadas de serem crianças, quase quadros pintados a partir de um ideal inalcançável, modelos virginais sem sombra, onde toda rebeldia deve ser extirpada quimicamente ou escondida em cômodos sem acesso, levando junto com ela a criatividade, a espontaneidade e o desejo de aprender.
 Poderia a decoração de uma escola me dizer algo sobre o seu funcionamento? Ou estaria eu me perdendo em elucubrações sem sentido? A decisão fica a cargo de meu meditabundo leitor. 

Ps.: Imagem retira da Internet

segunda-feira, 3 de março de 2014

A ARTE DE DESISTIR

E aqui estou eu novamente às voltas com os silêncios que não calam, tentando dizer do indizível, ver o que nas mais profundas sombras se esconde, embalado pelo tiquetaquear imaginário do velho relógio que, na infância, figurava na parede engordurada da cozinha. 
Sempre acostumado a falar de escolhas e consequências, de olhares particulares sobre o mundo, do que vem vindo com o vento, do futuro que se esconde em cada opção, hoje falarei de algo quase sempre esquecido. Hoje vou cantar as desistências, elas que se ocultam na sombra de cada escolha e que, quase sempre, são tidas como o grande inimigo.
 Toda uma vasta literatura de autoajuda estabelece quase como uma máxima, um mantra insistentemente repetido, que nunca se deve desistir, que a sorte favorece aqueles que perseveram até o fim. E a consequência disso é que, para o leitor desavisado, desistir se torna uma desonra, rendição, reconhecimento da derrota sofrida pelo desejo, na disputa interminável com a realidade.
Acabamos não percebendo que para cada escolha que fazemos pelo menos uma desistência acaba ocorrendo. É impossível ficar com tudo, escolher todas as alternativas, ganhar sempre. Quando escolhemos este ou aquele curso superior, desistimos de todos os outros. Ao optarmos por tal cardápio, desistimos de todos os outros possíveis. Vivemos escolhendo, desistindo e esquecendo. A consciência orientada para um objetivo acaba descartando todas as alternativas que não servem a esse objetivo e as desistências são enterradas no fundo da memória. E ficam assim até algo balançar nossos critérios de escolha.
E algumas escolhas são duras, justamente pelas desistências em que implicam. Para estabelecer um novo padrão de relação com o mundo, é preciso deixar de lado o antigo padrão, deixar de lado aquilo que, mesmo tendo a dor como custo, por um tempo nos deixou seguros. Para encontrar um novo emprego, mais gratificante e adequado às nossas inclinações, é imprescindível desistir do anterior e dos muitos benefícios que ele certamente traz. Por vezes somos obrigados a desistir de amigos caros, amores profundos, verdades absolutas que nos trouxeram até aqui e nos fizeram quem somos, mas que não servem mais.
E é claro que isso trará dor. Não existe mudança sem dor. Na ilusão de que é possível escapar de toda dor consumimos cada vez mais medicamentos, cada vez mais entorpecentes, nos enrolamos nas esquinas da vida e acabamos agarrados ao passado, como a criança que com as mãos cheias de brinquedos, quer pegar os do colega sem largar no chão nenhum dos seus. E como crianças, choramos, batemos o pé até que a vida nos mostre do que temos que desistir.
E contrário ao que possa parecer, quando temos claras as desistências que fizemos para estar onde estivemos e as que teremos que fazer para estar onde desejamos, as escolhas ficam mais seguras e ainda que sejamos obrigados a dar uma espiadela naquilo que atiramos nas sombras, acabaremos por ter à nossa frente, um caminho bem mais claro e escolhas bem mais felizes.
Obviamente  não se trata de desistir de tudo, de não lutar, de sucumbir às dificuldades. É preciso saber do que desistir, quando desistir, porque desistir, mas ainda sim entender que escolher e desistir são faces opostas de uma mesma moeda. Desistir, assim como escolher, também é uma arte.

Beijos na Alma.

LEONARDO GONÇALVES DA SILVA